Embora tenha nascido na Inglaterra (em 14/05/1962, Heswall, Cheshire, Inglaterra), Ian passou a maior parte de sua infância no Canadá, onde, a partir dos 12 anos idade passa ter contato o com a cultura indígena na reserva Six Nations, fato que tornaria um assunto constante em suas composições. Sua mãe, Judith Lindsay, faleceu no dia em que Ian completava seus 17 anos. Muito abalado, ele retorna à Inglaterra junto ao seu pai (Robert Leighton Astbury, um homem da marinha mercante inglesa) e seus irmãos, Lesley e Brian Astbury (que no período de 1981 à 1984 foi o "roadie particular" de Ian). O jovem inglês, depois de cumprir apenas 28 dias de serviço militar, viu através da explosão do punk que podia extravasar toda a energia e frustrações contidas nessas experiências. O movimento lhe trouxe uma boa bagagem artística já que, como muitos jovens desempregados que viviam perambulando à toa, uma das formas de matar ou contestar esse ócio e a falta de perspectiva causada pela era Thatcher era formando bandas.
E foi o que ele fez em sua passagem por Glasgow (Escócia), Belfast (Irlanda do Norte) e em Liverpool. A primeira delas se chamava Send No Flowers, a qual fez parte de sua formação seminal, mas não chegou a fazer ao menos um show. A banda ficou na ativa até 1983 e deixou apenas um single chamado “Playing For Time” editado pelo selo Praxis Records - nessa gravação já contavam com Lyn Sangster nos vocais e guitarra, no lugar de Ian. Quando mudou-se para Belfast, Ian formou o Children of Lust que ensaiou consideravelmente até que resolvesse finalmente voltar para a Inglaterra para acompanhar a turnê do Poison Girls e Crass pelos quatro cantos do país. Ele já estava habituado com essa vida nômade, uma vez que passou a sua infância viajando e constantemente se mudando devido à profissão de seu pai. Durante estes shows que o Ian também dava um jeito de ganhar a vida, pelo menos para ter o que comer e bancar o aluguel de um pequeno apartamento em que vivia nos arredores de Liverpool, fazendo silke de camisetas de bandas. Ele também recebia um auxilio desemprego do governo, mas não era o suficiente então o jeito era se virar com diversos bicos, trabalhando em bares até mesmo como roadie da então desconhecida banda irlandesa U2.
“Eles tinham um estilo de vida comunitário e o seu lema era anarquia, amor e paz. Pareciam como um Velvet Underground mais punk. E depois dos shows, compartilhavam tudo que tinham - comida, roupas, tudo - com a platéia, assim eles podiam ir embora. Foram uma grande influencia para mim”.- Ian sobre o Crass.
Ao fim da excursão do Crass, ele estava sem casa e sem rumo, então se mudou para Bradford, onde foi acolhido na mesma moradia onde vivia Joolz e seus futuros companheiros de banda. Ele contou a ela sua historia de vida e os últimos acontecimentos que o fizeram retornar para a Inglaterra. Ele relatou a Jooz que a dona do apartamento que ele alugava pegou todas as suas roupas, seus livros e seus desenhos e pinturas, trocou a fechadura da porta e ainda por cima colocou fogo em todos os seus pertences. Evidentemente foi por falta de pagamento, contudo Ian afirmou que ele emprestou, sem avisar a dona, o apartamento para um amigo que fez uma festa barulhenta e a proprietária decidiu expulsá-los. A partir dai, Ian dormiu em rodoviárias, vagões de trem, praças até que alugasse outro local. No dia seguinte, Joolz, que se sentiu comovida, disse a ele que poderia permanecer por lá o quanto quisesse. Ela o convenceu que deveria fazer algo na sua vida e sugeriu que cantasse com a banda que ensaiava no porão. Buzz também achou que ele poderia ser um bom vocalista, já que o achava que tinha atitude para isso, um visual legal e suas danças esquisitas tinham chamado a sua atenção num club new romantic, foi então que decidiu convidá-lo para ensaiar com eles. Barry e Aky acharam isso terrível, mas Ian gostou da idéia de estar na banda e continuou a se convidar para os ensaios.
Sua entrada daria uma nova roupagem sonora e conceitual à banda - os novos companheiros, ainda meio arredios, lhe deram espaço para expor suas idéias e transmitir seu amor pelos índios de uma forma estranha e lúgubre. Ele batiza a banda de The Southern Death Cult que era o nome pelo qual alguns estudiosos descreviam uma tribo que existiu (entre os séculos XIV e XV) no oeste dos EUA perto do rio Mississippi e foi extinta devido às doenças transmitidas pelos brancos. Mas apesar desse fato, sua religião era baseada na morte, e os relatos de seus rituais necrófilos fizeram-na ser reconhecida como tal. Hoje em dia a região é tecnicamente conhecida também como Southeastern Ceremonial Complex. A sugestão foi contestada por Barry e Buzz, mas Ian e Aky acharam que tinha soado legal e estavam decididos usá-lo, já há meses que ensaiando a banda não tinha até então nenhum nome. Talvez, o acordo comum pela nova denominação, tenha vindo de uma possível alusão critica que ele fazia diante da centralização do poder no sul da Inglaterra (incluindo a indústria da música) há muito tempo notado devido às diferenças evidentes nos aspectos sociais, históricos e econômicos. Contudo, este cenário decadente e industrial do norte foi bastante favorável ao aparecimento e ascensão de diversas bandas importante do pós-punk, incluindo o próprio Southern Death Cult.
A primeira perfomance ao vivo do Southern Death Cult aconteceu por volta de julho de 1981 no Bradford Royal Standard e fora filmada pela Yorkshire Television para um documentário sobre a cena punk local que naquela época também consistia no New Model Army, Joolz, Wild Willi Beckett, Seething Wells (pseudônimo do poeta punk Steven Wells) e outras bandas como The Shakes e The Elements (futuro Skeletal Family) das cidades satélites próximas. O que parecia sorte, na realidade aconteceu quase (ou completamente) de propósito. Enquanto ensaiava com a banda, Aky ainda se dedicava muito como manager, correndo a atrás de contatos que soubessem que canal de televisão iria realizar essa película. Sua persistência foi bem recompensada e o Southern Death Cult conseguiu uma boa exposição, alcançando a mesma popularidade dos grupos locais que já tinham um pouco mais de tempo de estrada.
O documentário, feito em dois dias, possui além dessa estréia ao vivo do SDC, outras preciosidades com uma entrevista com o New Model Army, Joolz lendo seus poemas no hotel The Old Crown de frente a uma stripper. Infelizmente até hoje não foi exibido oficialmente e nem se sabe se o material ainda existe. De qualquer forma as portas foram abertas para que a banda realizasse uma maratona de apresentações em vários clubes noturnos e porões alternativos. Seu segundo show aconteceu no Queen's Hall (Bradford), no dia 29 de outubro de 1981, abrindo para nada menos que Bauhaus. O setlist tocado foi: “The Crow”, “The Girl”, “Apache”, “Vivissection”, (canção desconhecida), “Moya” e “The Crypt”, como consta em um bootleg. A quinta canção intitulada é vezes como “War Song”, mas seu título real é desconhecido, uma vez que nunca fora executava outra vez, nem foi gravada por eles em estúdio (mais informações na tag "Discografia").
Com o êxito desse show, eles conseguem uma grande popularidade. Isso era algo fenomenal uma vez que ainda não tinham lançado nada e a divulgação dos shows era feita praticamente no boca a boca. Em uma apresentação no Heaven Club (Londres), chegaram a tocar pra mais de 2.000 pessoas. A maior parte dos seguidores da banda era atraída principalmente pelo carisma e pela performance de Ian, que pintava seu rosto com cores de guerra e executava no palco danças tribais. O som da bateria marcava cada pisada sua e o público ia ao delírio com aplausos que confirmavam a enorme troca de energia que realizava com o “culto sulista da morte”. Suas composições saiam dos amplificadores para mexer com os corações e mentes atentos. Som cru, primitivo, por vezes monótono, consolidava um verdadeiro ritual.
Em 1982 passam a abrir para o Sex Gang Children, Theatre of Hate, The Clash e Big Country. Em compensação, quando eram a banda principal, quem abria seus gigs era uma banda "ideogicamente irmã", chamada Lavolta Lakota cujas as referências a temas indígenas eram óbvias. No dia 18 de dezembro banda lança seu único single em duas versões pelo selo Situation Two; em 7” de duplo lado A "Fatman/Moya" e em 12” de triplo lado A com o acréscimo da musica “The Girl” e capa diferente. A produção ficou por conta de Mick Glossop que já havia trabalhado, entre outros nomes, com Alarm e The Passions. A arte da versão 7” é totalmente artesanal, no mais autêntico estilo “do it yourself”. O desenho foi feito por Buzz e o logotipo foi desenhado a mão por uma namorada de Ian na época, Jacqueline Mathers. Sua composição gráfica era como um fanzine xerocado; para retirar o disquinho tinha que abrir a capa do mesmo modo que um livreto. O compacto teve um sucesso estrondoso, o que que deixou a banda por vinte e quatro semanas no topo da parada independente na Inglaterra na 88ª posição do Top 100. Um clipe de baixo orçamento para promover "Fatman" foi gravado. Buzz e Aky trocaram de instrumentos entre si durante essa "mega produção", que era algo mesmo destinado a parecer ridículo e hilário. Por causa deste todo alvoroço causado na imprensa alternativa, eles são capas de diversos magazines semanais como New Music Express, Sound, Melody Maker até mesma atração do programa de TV The Tube tocando “Falce Faces”, “Faith” e “Fatman”.
"O grupo é apenas a extensão de nós, das nossas experiências. Eu, por exemplo, sou apaixonado pela música tribal dos índios da América do Norte; aquilo não data hoje. Mas para o público, aquilo corresponde a uma moda do momento. Não queremos ter limites, e evitar ter um rótulo. É excelente quando compara-nos com cinco grupos ao mesmo tempo. Queremos ser estimulantes, criativos numa atmosfera específica”. - Ian justificando o estilo da banda.
“Nos respeitamos o que o Sex Gang Children e o Danse Society e aqueles outras bandas as quais somos agrupados pelo que estão fazendo, mas não somos parte disso, não sentimos que fazemos é a mesma coisa.” - Barry em uma entrevista para New Musical Express em outubro de 1982. “O grupo que realmente nos trouxe algo, é o Sex Pistols. Mas não acredito que os novos grupos querem refazer a mesma coisa. Gosto de Killing Joke e Siouxsie, porque a sua música cai bem na mente e te dá inspiração e força” – completa Aky.
De olho em sua ascensão, as gravadoras RCA e CBS oferecem bons contratos. Caso quisessem lançar um álbum por elas teriam que submeter aquela velha condição de deixar o som mais pop. Buzz, Barry e Aky estavam dispostos a agarrar esses acordos. Ian achava que seus companheiros ainda não tinham grandes habilidades musicais e que não estavam preparados para este sucesso repentino. No dia 26 de fevereiro de 1983, após uma apresentação na Polytechnic em Manchester, ele decide sair da banda, acabando por impor o seu fim.
Ian abre mão do sobrenome de solteiro da mãe (Lindsay), começa a usar o seu – Astbury - e parte para Londres atrás de novos músicos. O primeiro que encontra nesta busca é o guitarrista Billy Duffy (nome verdadeiro; William Henry Duffy, 12/05/1961, natural de Hulme, Manchester, recém saído do Theatre of Hate) com quem forma em abril de 1983 o Death Cult que deu origem ao The Cult. Já como parte do cast do selo Situation Two (o mesmo que lançou o SDC, subsidiário da Beggars Banquet), o Death Cult foi considerado logo de cara um "super grupo" pós-punk já que se tratava na realidade da junção de três bandas que tinham feito alguma fama dentro daquela cena. Para completar a “cozinha”, foram chamados dois ex-integrantes da banda punk-gótica Ritual; o baterista Raymond Taylor Smith (natural de Serra Leoa, apelidado de Ray Mondo; paralelamente ao Ritual ele gravou também um excelente single com o Gambit of Shame chamado “No Bounds” em 1982) e o guitarrista Jaime Stewart (nascido em Harrow, norte da Inglaterra) convocado para o baixo, depois de passar num teste entre mais de 30 músicos.
Os outros ex-menbros do SDC se mantém unidos sob o nome Getting The Fear. Depois de algumas audições (incluindo a de Paul Devine, do Siiiii), Paul "Bee" Hampshire (ex-Danse Society, Panache) é aprovado para os vocais e gravam diversas fitas demos até que em 1984 editam o single “Last Salute”. Do som tribal e gutural do SDC, passam a fazer um dark pop sem grandes projeções. No entanto a temática mística continua evidente - diferente do xamanismo dos índios da América do Norte introduzido por Ian, as letras de Bee trazem temas como círculos pagãos a outros elementos de contra-cultura como viagem de LSD e seus aspectos mágico-sexuais. Em 1985 a banda sofre uma racha: Aky e Buzz saem para formar o Joy que apenas faz alguns shows pelo underground londrino, sem editar nenhuma gravação de estúdio. Após isso Buzz integra rapidamente o Psych TV e Skeletal Family (nesta, como co-produtor e roadie). Aky em 1991 adota o pseudônimo de Propa-Gandhi, formando então o Fun-Da-Mental, uma banda de “rap-islâmico-ativista” na linha do Asian Dub Foundation que tem seus discos lançados por seu próprio selo: Nation Records. Com os desfalque na formação, Bee e Barry rebatizam o Getting The Fear de In Two A Circle. Depois do single “Rise”, simplificam o nome para Into A Circle, ficando em atividade até meados de 1988 (em algumas gravações, eles contaram a participação de Rose McDowall, do Strawberry Switchblade, que mais tarde trabalharia com Death in June e Current 93).
“O Southern Death Cult acabou porque estávamos trabalhando um contra o outro. No inicio nós apenas queríamos estar em uma banda e isso era a única coisa a fazer no momento, e nós fizemos. Achávamos que tínhamos habilidade para isso e nunca questionamos realmente. Quando comecei questionar sobre o que era o SDC, eu não gostei do que estava acontecendo e senti que estávamos restringindo uns aos outros. Acho que isso se mostrou nas ultimas gravações, ficaram um lixo” – Ian.
O SDC não deixou nenhum álbum. Havia planos de lançar um que levaria o titulo de Fatman In The Moya, mas não foi concluído. Bastaram alguns dias após seu óbito, para que a Beggars Banquet tomasse a decisão de socorrer seus fãs desolados com uma coletânea póstuma contendo músicas de sobras de estúdio, demos, versões alternativas e gravações ao vivo. Este LP chegou ser lançado no Brasil com quatro anos de atraso, licenciado pela RCA em 1987, ano em que sua primeira versão digital saiu no Japão e em seguida na Inglaterra. A edição inglesa trazia como bônus as três músicas da versão 12” do seu único single e mais duas músicas inéditas – “Patriot” e “Flowers in The Forest”. O CD foi remasterizado e reeditado outra vez em 1996. Em uma review de uma revista daqui, este disco foi classificado como "uma bela paulada, inocente e alucinada" ou seja, um documento essencial.
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